A odontologia avançou muito nos últimos anos,
mas eu tenho que admitir que isso para mim ainda era uma atividade medieval.
Fazia muito tempo que eu não ia ao dentista, suava frio só em ouvir o nome de
dentista. Para mim, sentar na cadeira do dentista era instrumento de tortura,
até conhecer a Dra. Sara Santiago Lopes e sua auxiliar Elisvânia Brito. Eu
tinha medo de dentista, verdadeiro pavor do som daquela maquininha que perfura
nossos dentes como se abrisse um buraco em calçadas. Dava-me calafrios só de
imaginar a boca aberta, com a “mangueirinha que gruda”. Tudo isso já tinha se
tornado uma fobia, bastava colocar os pés em um consultório para começar meu
ataque de pânico, ansiedade, suor frio e falta de ar. É claro que um dia eu ia
ter que enfrentar tudo isso, pois precisava com urgências de tratamentos
odontológicos. Meus dentes estavam indo de mal para pior, marquei uma consulta,
cheguei ao consultório desconfiada, sentei na cadeira perto da porta, qualquer
coisa eu ia me mandar dali, e ao ler meu livro tentava me acalmar e relaxar,
mas ao meu lado eu ouvia um menino dizer para sua mãe:
-Estou com medo, você vai entrar comigo né?
A mãe respondeu:
-Fica quieto menino que não tem nada de mais, mas se você
não parar de me perturbar eu vou mandar ela arrancar todos os seus dentes.
O menino ficou bem quietinho e não falou mais nada, para
a sorte dele e para meu asar eu era na frente dele, e estava chegando a minha
hora: frio na barriga, um nó na garganta, o coração parecia que ia sair para
dar uma “voltinha”; pensei em ir embora, mas ouvi outra conversa,
Uma mulher dizia:
-Preciso ir a um
compromisso importante e se eu for esperar não vai dar tempo.
Eu com a minha grande vontade de ajudar desse:
-Se você quiser, pode ir na minha frente, não tem problema, adoro ajudar as
pessoas.
A mulher responde:
-Muito obrigado vou aceitar, te devo essa.
Eu disse:
-Que nada, quem ti deve sou eu.
Um grande suspiro de alivio eu dei naquele momento, ainda
não era eu, mas eu estava ali, aterrorizada por estar prestes a enfrentar a
“maquininha aterrorizadora”. A auxiliar convoca-me:
-Anatália, pode entrar.
A acompanhei após o sinal da cruz, e entramos juntas na
sala, lá estava ela, sentada a minha espera, por mais que eu tentasse não
conseguia ver seu rosto, com um gorro na cabeça, óculos de proteção, mascara,
luvas e o famoso jaleco, era impossível identificar quem estava ali, ela
parecia que ia para a guerra, tão bem preparada e vestida... Mas, tudo bem, eu
não estava ali para vê-la, e sim para cuidar dos meus dentes.
Ela disse:
- Sente-se.
Sentei-me.
A auxiliar acendeu a luminária e ajustou-a sobre minha
boca, eu nunca sabia como ficar na cadeira, se eu ia mais para cima ou mais
para baixo, será que é para deixar a boca aberta ou fechada? Minhas pernas
tremiam tanto que a iluminaria da cadeira ficava balançando. Lembrava-me uma
hotdance, minhas mãos soavam frio.
Ela disse:
- Abra bem a boca, não vai doer nadinha.
Todos dizem a mesma coisa, ela cutuca o dente com um
gancho, e pergunta:
- Tá doendo?
-Urgh, urgh, urgh.
Anestesia vai impedir a dor disse ela, armada com uma
seringa em sua mão, mas o pior de tudo é o fato de que eu nunca sabia para onde
direcionar o olhar enquanto estava ali deitada, de boca aberta, com a dentista
debruçada sobre mim, já experimentei olhar para ela, mas o olhar fixo e
prolongado pode parecer algo psicótico. E se eu fechar os olhos? Bem, se o fizer
ela vai achar que eu estava tão descontraída que vai cortar durante a anestesia
e torturar-me até o fim, mas, tenho que falar, que as conversas e as trocas de
informações que a dentista e a auxiliar tinham durante a minha visita estavam
me deixando bem a vontade, havia também um rádio na sua bela escrivaninha de
madeira cor branca e verde bebê, que sempre ficava ligado, e o melhor, era que
a dentista cantava também, me acalmava mais ouvi-la cantar que a música do
ródio, a música era tudo o que eu precisava, mas o bom humor de Sara e as
risadas estavam realmente me fazendo ficar a vontade, quase com vontade de
realmente estar ali, o medo foi diminuindo, a tensão desaparecendo, o som da
bela voz que cantava estava me fazendo muito bem, depois de um certo tempo, nem
parecia que eu estava fazendo tratamento dentário, mas tenho que confessar,
estava tão tranquila com a música e tudo tão sereno, que quase me sentia
confortável, como se estivesse na casa de um amigo, conversando, ouvindo música
e dando risada. Ao final da consulta, não é que meu sorriso estava mesmo mais
bonito! Voltei outras vezes ao consultório, e a recepção sempre foi a mesma, o
bom humor e o profissionalismo de Elisvânia e as belas canções de Dra. Sara
Santiago que ela usa para acalmar os seus pacientes traumatizados como eu, que
dão mais trabalho que crianças, o trauma se foi e eu poderia dizer que foi
enriquecedora essa experiência e que na cadeira do dentista não me sinto mais
frágil, e sim, com o delírio da poesia nos olhos perplexos.
CURIOSIDADES
O nome correto da “maquininha aterrorizadora” é caneta de
alta-rotação.
Da “cadeira do dentista” (que não é do dentista e sim do
paciente) é cadeira odontológica.
E da “mangueira que gruda” é sugador.